quinta-feira, 31 de março de 2011

Lances da ditadura 2


Segunda metade da década de 70. Já se falava em anistia, alguns presos políticos já haviam sido soltos, mas dois ou três continuavam na cadeia, particularmente aqui no Nordeste, precisamente em Recife.
Em Feira de Santana, eu participava de uma Comissão de Direitos Humanos, que se reunia, na grande maioria das vezes, na Igreja de Senhor do Bonfim, no Alto do Cruzeiro, quando o pároco ainda era o Padre Albertino Carneiro. Reuniões de portas fechadas, é claro.
A comissão foi criada por iniciativa do próprio padre, de Aurélio Miguel, Renilda Daltro, e tantos outros nomes que não lembro agora.
Certo dia, houve uma mobilização pela libertação desses presos políticos de Recife: uma vigília na Capela do Colégio Antônio Vieira, em Salvador. A Comissão de Direitos Humanos de Feira de Santana foi, num ônibus especial. Apenas um ônibus.
Capela superlotada, a vigília durante a noite, muita emoção e, claro, suspense. Lá pra tantas, alguém entusiasmado com a quantidade de pessoas no ato, propôs uma passeata até o Campo Grande. Houve uma aclamação, aprovando a idéia.
Enquanto Padre Fábio Bertoli, diretor do colégio, dizia algumas últimas palavras na vigília, para se iniciar então a passeata, a Polícia Militar apareceu do nado e rapidamente cercou toda a frente do Antônio Vieira, ali no bairro do Garcia, bloqueando os dois grandes portões de acesso.
Todos saíram da capela, segindo Padre Bértoli, que liderou o grande grupo na direção do oficial que comandava a tropa.
- Não tem passeata nenhuma. Os senhores vão sair daí em grupos de 10 em 10, sob nosso controle, se quiserem sair – ordenou o oficial, sem oferecer qualquer possibilidade de diálogo.
Padre Bertoli, então, imediatamente pediu ajuda do grupo de manifestantes para fechar os portões do colégio, de maneira que a PM fosse impedida de entrar.
O clima ficou muito tenso. Palavras de ordem. E a PM observava, impassível, inclusive com cães.
Tivemos que desistir da passeata. Saímos de 10 em 10, enquanto policiais à paisana faziam fotos com filmes ultrassensíveis (sem precisar de flashes).
Padre Bértoli terminou seus dias em Feira de Santana, há uns três anos.

Um comentário:

  1. Pelo que sempre li e vc só vem confirmar, foram mesmo tempos de dureza. A ditadura nunca foi boa prá ninguém. Aos poucos, em outros paízes, estão tentando acabar com ela, também, ainda bem. É sempre mais fácil viver num mundo de liberdade, embora nem sempre se faça um bom proveito dela. Não basta poder fazer, mas é importante que se saiba como, prá que todos possam usufruir dela.
    E Padre Bertoli foi uma espécie de anjo protetor da liberdade; deve estar em paz, com certeza!
    Lena

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